quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

ANTECEDENTES CRIMINAIS E DISCRIMINAÇÃO NO TRABALHO



 Recomendamos ler e até cumprir:
 ANTECEDENTES CRIMINAIS E DISCRIMINAÇÃO NO TRABALHO
Thereza Cristina Gosdal(*)
1- INTRODUÇÃO:
A contratação de empregados pela empresa pode ser analisada de distintos pontos de vista. Do ponto de vista da empresa, o que importa é a busca do lucro, a redução de custos e a competitividade de seus produtos. O empregado a ser contratado deve ser aquele que, além de qualificado para o emprego, represente menores custos e riscos. Assim, acredita a empresa que pode legitimamente imiscuir-se em questões afetas à intimidade do empregado e sua vida privada, na proteção de seus interesses e de seu patrimônio. Dentro desta perspectiva se inserem os testes seletivos em que são realizadas amplas intromissões na vida do candidato e sua personalidade (em alguns casos extremos até com realização de mapa astral do candidato e análise da personalidade pela letra) e generaliza-se a concepção de que é legítima a pesquisa de antecedentes criminais. A busca desta informação sustenta-se na idéia de que a Constituição assegura a livre iniciativa e a propriedade privada, sendo esta medida destinada à proteção de tais valores, constitucionalmente assegurados, a par de inserta no poder diretivo do empregador, que arca com os riscos do empreendimento.
É certo que vivemos uma crise de valores na sociedade atual, como muitos têm destacado em análises e comentários mais abalisados que este, nos periódicos e demais meios de comunicação. O crime organizado nos assobra todos os dias no noticiário e os limites entre o certo e o errado parecem-nos embaçados pelas necessidades da sociedade de consumo em que estamos inseridos. Assistimos com assombro filhos planejarem e executarem a morte dos pais, para usufruírem de liberdade sem limites e dos bens que compõem o patrimônio que lhes assegura uma vida confortável; filhos assassinarem pais, porque a droga tornou insustentável a convivência; por outro lado, pais matando os filhos, pelo mesmo motivo; pais atirando bebês contra carros em movimento, num acesso de fúria. Temos a clara sensação de que algo está errado.
Sentimo-nos impotentes para alterar estes fatos e concentramos nossa atenção numa proteção ineficaz e que, embora aparentemente inofensiva, é extremamente danosa para aquele que sofre suas conseqüências. Além de nos cercarmos de alarmes, grades e muros, exigimos dos candidatos a emprego que não possuam antecedentes criminais. Numa análise superficial, nada de errado nisto. Mas nosso compromisso não é com o senso comum, e sim com uma análise jurídica da questão.

2- DA CONFIGURAÇÃO DE PRÁTICA DISCRIMINATÓRIA:
A igualdade de tratamento contemplada no texto constitucional e legislação infraconstitucional, pressupõe ausência de discriminação.
O inciso III do art. 1º da Constituição Federal de 1988 eleva a dignidade da pessoa humana à condição de fundamento do Estado democrático de direito, estabelecendo, ainda, no art. 3º, inciso IV, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisqueroutras formas de discriminação, como objetivo fundamental da República. Neste último dispositivo, inciso III, estabelece como objetivo a redução das desigualdades sociais; no art. 5º, caput, estabelece a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. De toda a disciplina constitucional observa-se a vedação de qualquer forma de discriminação no emprego, o que inclui o acesso ao emprego e a discriminação levada a efeito nos processos seletivos.
Na legislação infraconstitucional também se encontra expressa proibição de discriminação no âmbito laboral. A lei 9029/95 estabelece em seu artigo 1º que “Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas neste caso, as hipótese de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.” Nunca é demais lembrar que, do ponto de vista do Direito do Trabalho, os fatores de discrimen contemplados na lei são meramente exemplificativos, já que o texto legal proíbe qualquer prática discriminatória para o efeito de acesso ao emprego ou sua manutenção. A limitação que se efetiva na lei 9.029/95 é quanto à tipificação penal às hipóteses elencadas em seu artigo 2º.
Maurício Godinho Delgado conceitua discriminação como “... conduta pela qual se nega à pessoa tratamento compatível com o padrão jurídico assentado para a situação concreta por ela vivenciada...”.(1) No art. 1º da Convenção n.º 111 da OIT a discriminação é conceituada como qualquer “...distinção, exclusão ou preferência fundada em raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional, origem social ou outra distinção , exclusão ou preferência especificada pelo Estado-membro interessado, qualquer que seja sua origem jurídica ou prática e que tenha por fim anular ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento no emprego ou profissão”.
Há hipóteses em que o tratamento diferenciado é possível juridicamente, tal qual se verifica, por exemplo, nas medidas de ação afirmativa, como as cotas para portadores de deficiência previstas no art. 93 da Lei 8213/91 e Decreto 3298/99. Hédio da Silva Júnior entende que é possível diferenciar quando houver correlação lógica com a norma de conduta e com os valores constitucionais. Para ele a finalidade da diferenciação deve ser acolhida pelo direito, destinada à promoção da igualdade real.(2) Já para Luís Roberto Barroso(3) as diferenciações são “juridicamente toleráveis” quando possuírem fundamento razoável e forem destinadas a um fim legítimo; o elemento discriminatório for relevante e residente nas pessoas que estão sendo diferenciadas; houver proporcionalidade entre o valor objetivado e o sacrificado; o meio empregado e o fim buscado for compatível com os valores constitucionais. Como exemplo de desequiparação possível traz o da contratação de guardas penitenciários do sexo feminino para presídio feminino; ou o da contratação de artista negro para comemoração do dia da consciência negra. No dizer de Leonardo Wandelli: “Há discriminação, nesse sentido, quando, não havendo uma razão suficiente para permitir ou obrigar um tratamento diferenciado, não se outorga um tratamento igual, resultando, ipso facto, na arbitrariedade da distinção. Ou seja, trata-se de uma distinção negativamente valorada pela ausência de uma justificativa suficiente.”(4)
Retornando à questão da contratação de empregados, poderíamos considerar legítima toda a aferição de qualificação e capacitação do candidato relacionada à necessidade do serviço. Ou seja, o empregador pode verificar tudo aquilo que venha a interferir posterior e objetivamente no trabalho que lhe será prestado pelo empregado contratado. Isso não significa sinal aberto a toda espécie de  invasão da intimidade e vida privada do empregado (matéria que será ,melhor analisada mais adiante), nem a pesquisa de qualquer informação que não esteja diretamente relacionada ao trabalho a ser realizado. Os dispositivos constitucionais e legais anteriormente elencados impõem limite ao poder diretivo do empregador. O empregador pode contratar quem deseja dentre aqueles que se apresentam para a vaga oferecida, mas não pode contratar ou deixar de contratar com base em critérios discriminatórios. Da mesma forma, não pode deixar de promover ou dar oportunidades na empresa, ou fundar o despedimento em critérios discriminatórios. Ao contratar ou deixar de contratar com fundamento em critérios discriminatórios o empregador estará, em verdade, praticando abuso de direito. A este respeito, invocamos a lição da Dra. Aldacy Rachid Coutinho, quando analisa o poder punitivo trabalhista:
“O titular do direito assegurado pela ordem jurídica vigente deverá exercê-lo dentro das finalidades para as quais foi reconhecido. Estaria caracterizado o abuso de direito se o empregador, titular do direito de aplicar sanções disciplinares, agisse em desacordo com a boa-fé, com um escopo diverso do que deveria presidi-lo, porquanto o poder de sancionar do qual está investido tem uma finalidade repressiva e preventiva em absoluta causalidade com a falta em sua gravidade.

(...) Todo e qualquer direito subjetivo, no seu exercício sofre uma limitação, à medida que esbarra na esfera jurídica alheia; também o poder deverá ser limitado no seu exercício em relação à finalidade do seu reconhecimento e, assim, fala-se em excesso ou abuso de poder.”5

                             Sendo limitado o poder diretivo do empregador, inclusive na contratação de empregados, aos preceitos e normas constitucionais e legais que vedam qualquer prática discriminatória no trabalho, resta-nos verificar se a pesquisa dos antecedentes criminais é discriminatória, para o que será necessário adentrarmos um pouco na legislação penal e processual penal. (...)
(*)*)Procuradora do Trabalho, Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Pararná.
1 DELGADO, Maurício Godinho. Proteções contra Discriminação na Relação de Emprego. In: VIANA; RENAULT, Discriminação, p. 21.
2 SILVA JUNIOR, Hédio. Ação Afirmativa na Constituição Federal de 1988. In: BENTO, Maria Aparecida (org). Ação Afirmativa e diversidade no Trabalho: desafios e possibilidades.
3 BARROSO, Luís Roberto. Razoabilidade e Isonomia no Direito Brasileiro. In: VIANA; RENAULT, op. Cit. P. 169-226.
4 WANDELLI, Leonardo.
5 COUTINHO, Aldacy Rachid. Poder Punitivo Trabalhista. P. 165.

Nenhum comentário:

Postar um comentário