A tragedia daquele 06 de janeiro de 1981, continua cada vez mais forte em nossas memórias, apesar do tempo passado.
Salvo na história, por narração e fotos, o fato foi muito bem registrado no livro intitulado "Morte nas águas" de autoria de João Alberto Rodrigues Capiberibe, até então na época,um ilustre líder político desconhecido. Associo a esta homenagem póstuma feita a minha tia Amélia, que faleceu juntamente com seu marido, uma filha e uma neta, a lembranças de tantas outras pessoas falecidas, cujo número exato de embarcados e desaparecidos não se pode apontar.
Mesmo editado com maestria e competência, o livro não consegue repassar na íntegra três sentimentos: a dor de amigos e parentes ,o odor dos corpos em decomposição, centenas e a saudade da separação.
A NOTÍCIA DO NAUFRÁGIO:
Na noite de 4ª feira, dia 08, tio ZECA, chegou em casa e comunicou a meu pai sobre o acidente, em cujO barco minha tia tinha viajado para o JARI, mais que ainda não tinha notícias dela.Começava assim uma longa espera ansiosa na esperança de que houvessem sobrevivido.
A OPERAÇÃO EM SANTANA PARA DESEMBARQUE DOS CORPOS:
Sob o Comando do Cel Rocha Lima, todo o efetivo disponível da Polícia Militar foi deslocado na 5ª feira dia 09, para o PORTO DE SANTANA, cuja missão era auxiliar no desembarque de sobreviventes e dos corpos resgatados. Por volta de 10h, chegava o primeiro barco com sobreviventes e o corpo do piloto do barco. Entre os sobrevivente encontrava-se um vizinho meu, de nome ALMIR, ex-PM, conhecido por canhoto. O momento foi marcado por choro comovente entre sobreviventes e familiares e até sorrisos nervosos pelo reencontro.
Foram encomendados centenas de caixões com o objetivo de despositarmos os corpos que chegassem, mas que foram substituídas por enormes caixas de compensado que receberiam dezenas de corpos, após conhecimento da gravidade do sinistro. A tarde correu sem novidades.
A previsão da chegada da balsa com os corpos foi marcada para 00:00, cabendo-me a missão de orientar os caminhões para estacionarem embaixo do quindaste que iria retirar as caixas da balsa para os mesmos.
PERNOTE EM SANTANA:
Adiada a chegada das balsas para as 06:00 do dia 10, fomos alojados no galpão aonde se encontravam os caixões, que seviram até como cama pelos mais atrevidos. Escalados sentinelas e rondantes tentamos dormir um pouco, cujo cochilo foi interrompido por um forte e tétrico grito de um companheiro que levantava seu corpo, ereto, sem apoiasse em nada para faze-lo.Imobilizado, foi conduzido ao Pronto Socorro, cuja missão marcou sua vida a atuação policial militar,psicologicamente.
Exatamente,ás 06;00 da manhã, despontava a figura triste de uma balsa que em sua lentidão, permitia a D.JOSÉ MARITANO, nosso bispo da época, as mais puras orações, enquanto aguardava com olhar triste a sua chegada. Na balsa, companheiros do Corpo de Bombeiro, enchiam as caixas de compensados que eram levantadas pelos guindastes e depositadas nos caminhões. O forte odor obrigou-nos a colocar no nariz algodão embebido em alcool para diminuir o odor que mesmo assim invadia tudo e entranhava em nossas fardas, que depois da operação, foram queimadas. Na tentativa, de preservar os corpos, formol foi utilizado pela equipe de resgate,comandada pelo SGT BIANOR do Exército, dando impressão de que estavam carbonizados.Minha missão foi interrompida pelo chamado do Cel Rocha Lima que disse: " Cabo, compre dez garrafas de Pitú!" Surpreso,perguntei: "Cachaça?". Ao ao que ele respondeu: Sim, em acelerado, é para os nossos bombeiros, senão eles não vão conseguir continuar embarcando os corpos!". E assim fiz: comprei e repassei aos nossos bombeiros. Durante o dia todo, continuei naquele posto controlando o estacionamento dos caminhõess fúnebres abarrotados de nossos desconhecidos naufrágos.
Em cada caminhão, na correceria estava um PM embarcado. Um desses caminhões, ao fazer a curva que dá acesso ao cemitério, deixou uma caixa cair derramando vários corpos de crianças, fazendo com que o PM, Sd LEAL,conhecido por Baldarati,sózinho, os colocassede de volta ás caixas, sem nenhum acessório de segurança.
No CEMITÉIRO:
No dia 11, fui escalado para o policiamento no interior do cemitério, e pude constatar as valas que foram abertas para os sepultamentos. A tropa do Exército, equipadas com máscaras de oxigênio. A PM, desprotegida de qualquer equipamento.
Num certo momento, o "girico" ao retirar uma caixa, ao dar a ré, a mesma caiu,fazendo com a multidão fosse para cima na tentativa de reconhecer algum conhecido, mais não aguentando o odor, recuou. Então, pude ver entre os vários corpos,o do SGT FRANKLIN, recém formado na PM do Ceará que havido casado com uma menina de lá, e que viajará, para apresentar a esposa aos pais em Laranjal.Faleceram.
HERÓIS:
Viajava, o Sd MAGALHÃES, que servia em Laranjal do Jari. Conhecedor da região, nadou para a margem que estava próxima. Juntamente com outros sobreviventes, fizeram um buraco no casco do barco e retiraram passageiros que viajavam no porão do navio e através de uma corrente e cordas amarradas a margem, os salvaram. Cabo Magalhães, somente recentemente foi reconhecido herói e promovido a Cabo, pós mortem.
SAUDADE E JUSTIÇA:
A dor da saudade dói. Porém, dói mais ainda, a dor da Injustiça. Não sei como terminou o Processo de Indenização das vítimas.
Por isso,um recado ao Senador RANDOLFH: não visite só a Capitania, a Marinha. Veja como terminou o Processo, haja vista que o Brasil não nos socorreu naquela tragédia.
Muito teria a escrever: a presença de Ten Hugo (hoje Coronel RR) no local; o depoimento do Sd Santos, sobrevivente, mais que perdeu a esposa; a perda dos pais do Sd FAGONDES, que muito o afetou psicologicamente... e a muitas famílias!
A minha tia, AMÉLIA DO CARMO, saudades eternas!!!
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